quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Legislação Simbólica

Como parte final da série o Brasil para Inglês ver, voltarei ao assunto legislação visto que este é o fato gerador da expressão. Afinal leis são editadas todos os dias, e nas próprias palavras do nosso presidente tem lei que pega e tem lei que não pega. E nesta linha de pensamento temos um grande acadêmico do Direito Constitucional chamado Marcelo Neves, que em sua tese apresentada à Universidade Federal de Pernambuco definiu com prestreza o que é a Legislação Simbólica. Este trabalho inclusive foi traduzido para diversas línguas, tornando a tese do brasileiro referência internacional no assunto.

Neves em sua tese analisa pormenorizadamente o papel da legislação simbólica, não somente no Brasil mas em todo o mundo, especificamente no caso da "lei seca" americana que proibiu a venda de bebidas alcoólicas por lá. Na visão de Neves a Legislação Simbólica é aquele editada e formalizada porém que não possui aplicabilidade na vida concreta. Em poucas palavras a legislação simbólica é uma maneira de externar valores sociais, atuando como um álibi político, edita-se a lei porém ela é impossível, ou quase impossível, de ser aplicada na realidade. E neste campo nosso ordenamento jurídico é extremamente rico. O maior efeito negativo dessa prática é a crescente descrença na justiça e nas leis, levando a sociedade à um vício em desrespeitá-las. (Alguma semelhança com nossa realidade?)

Vejo muitas pessoas aplaudindo a iniciativa do Senador Cristovam Buarque (PDT), ao propor a PLS 480/07. Este projeto de lei prevê a obrigatoriedade dos políticos em matricularem seus filhos em escolas públicas. A justificativa é simples, ao matricularem seus filhos os políticos verão (como se não soubessem) o quão ruim é o ensino público e com isso iriam investir mais nele. Como se fosse uma pena, uma verdadeira sanção, este projeto vem ganhando apoio popular. E este é um nítido caso de lei simbólica. Por quê?

Primeiro porque ela ignora fatos concretos e se atém ao campo abstrato. Na própria justificativa da lei, o senador faz um levantamento simples de 64.000 políticos espalhados pelo país. Se formos colocar uma média de 1 filho para cada político serão 64.000 vagas das escolas públicas solapadas por pessoas com plenas condições de arcar com uma escola particular, retirando daqueles que não tem condições e enfrentam filas para garantir a matrícula de seus filhos. A famigerada progressão continuada foi uma solução porca e de muito mal gosto feita pelo governo de São Paulo, na era Covas, para solucionar o problema das vagas em escolas públicas paulistas. Quero dizer, vamos agravar ainda mais este problema?

Em segundo lugar quem determina a direção e as políticas públicas da educação não é o Legislativo, e sim o Executivo, na figura de seus Prefeitos, Governadores e Presidente da República, conjuntamente com suas respectivas secretarias de educação. Portanto forçar parlamentares a matricularem seus filhos em escola pública de nada adiantará. E mesmo forçando os líderes do executivo, quantos deles ainda possuem filhos em idade escolar? A maioria deles já passou dos 50 anos, e outros já dobraram o cabo da boa esperança! E mesmo que tivessem filhos em idade pré-escolar, ainda assim teriam plenas condições financeiras de pagarem cursinhos e aulas de reforço para suplementar a carência advinda da escola pública.

É preciso abrir os olhos, temos à frente de nosso país um homem semi-analfabeto, assassino do plural e da concordância que transformou seu filho de mero zelador de zoológico que era,  em um dos maiores criadores de gado do país. Vamos mesmo acreditar que será forçando-os a estudar em escola pública que resolverá o problema? Algum deles precisou de escola para virar político?

Esta lei só retrata a indignação da população e por este motivo ganha apoio, porém é sabido que não é este o caminho. O interesse em manter a população analfabeta, sem cultura é justamente para poder manipulá-los como a um rebanho, nos mesmos termos que a Igreja Católica o fazia nos séculos da Idade Média, quando somente o clero sabia ler. A solução está na mão da sociedade 'letrada', em fazer sua parte e votar consciente, não com o próprio bolso, nem com o estômago, mas sim votar com a consciência de que não é o pão e circo que fará de nosso país uma nação poderosa, e sim investimentos de médio e longo prazo.

Como diria um amigo meu: "CPI x CPI - Capacidade Por Indicação vs Capacidade Por Intelecto." (Amauri Peireira)

Existem projetos do Senador Cristovam que em minha opinião são muito mais eficientes e urgentes, como é o caso da PEC 47/2005 que prevê o fim do sigilo bancário e fiscal para titulares de cargos eletivos e comissionados, bem como os cargos de confiança. Além da PLS 03/08 que obriga todo estudante universitário, que receba recursos da União, a se dedicar à alfabetização de adultos. Estas sim são leis práticas e não simplesmente simbólicas. Estas são verdadeiramente para BRASILEIRO VER e não para Inglês.

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Abraços

Caique Martins

O Brasil para Inglês ver - Parte 1 - Parte 2 - Parte Especial - Parte 3

4 comentários:

  1. hahahahhahaha...nem sabia dessa tal de legislação simbólica. Mas agora fica fácil entender o porquê das leis não pegarem no Brasil, todas (mesmo a que teoricamente não são) são simbólicas!! Legal, agora faz todo sentido a palhaçada em que vivemos, na verdade, queria também participar dessa "simbolicidade"...queria também poder pagar meu IPVA simbolicamente, ou o IPTU, simbolicamente, minha água e luz, simbolicamente... e quem sabe se meu nome for pro SPC por falta de pagamento simbólico, ele estivesse lá apenas como um simbolo, simbolo de que eu estou cansada de tanta palhaçada, de tanta injustiça, de tanta falta de voz e principalmente descrença!!!

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  2. Obrigado pelo texto. Compreendi muito bem a questao. Excelente! Abracos,

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  3. ... assassino do plural... Muito bom!!!!
    Muito esclarecedor seu artigo, estou pesquisando sobre lei simbólica e me ajudou bastante! Mas, aquele paragrafo vou espalhar pelos quatro cantos!!! rsrsrssss
    Hortensia.

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  4. Didático, crítico e bem objetivo. Parabéns!

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